domingo, 22 de junho de 2014

A mediunidade e seus limites praticados no Brasil

LIVRO PARNASO DE ALÉM-TÚMULO É UM EXEMPLO DE OBRA QUE PODE NÃO TER SIDO PSICOGRAFADA.

Pode ocorrer mediunidade a todo momento? Dependendo da pessoa, sim. E a mediunidade se manifesta sempre com eficácia? Talvez, se depender da pessoa. Mas, embora sejam coisas possíveis, há o outro lado também do dom mediúnico, que parece bem sucedido num momento, falhar em outro.

Observamos dois dos principais astros do "espiritismo" brasileiro, Chico Xavier e Divaldo Franco. Os dois são famosos por terem desenvolvido, pelo menos aparentemente, o dom de se comunicarem com espíritos falecidos. Pode ser, e é muito provável que sim, que eles tenham esse dom, mas por suas naturezas pessoais, eles nem sempre se manifestaram como se supôs tiverem sido.

Quanto a Chico Xavier, é notório que uma parte, ainda não devidamente estimada, dos livros tidos como psicografados não tenha sofrido esse processo e, muito provavelmente, não tiveram sequer a sua participação.

Primeiro, porque era impossível que Chico, com seus muitos compromissos de receber as pessoas, dar entrevistas e ir a eventos diversos, tivesse rigorosamente escrito todos os livros num curtíssimo prazo de tempo. Alguns desses livros podem ter sido escritos por outrem e Chico apenas contribuiu emprestando seu nome a eles, como em muitos livros de auto-ajuda.

Quem sabe o que é o trabalho de um escritor, percebe que mesmo um livro de 90 páginas não se faz num relampejo. E isso quando alguém se sobrecarrega de compromissos, contatos, viajando aqui e ali. Se um livro de 250 páginas leva, em média, cinco meses para ser escrito, isso equivaleria a 1,6 página por dia, se o trabalho fosse rigorosamente em dias consecutivos, e dificilmente é.

Segundo, por causa das irregularidades observadas nas obras "espíritas", que apresentam contradições nas mensagens e obras espirituais atribuídas aos falecidos ao que eles fizeram ou representaram em vida.

Exemplos disso são os livros Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, atribuído ao espírito do escritor Humberto de Campos, e Parnaso de Além-Túmulo, atribuído aos espíritos de diversos poetas e prosadores, não necessariamente ligados ao Parnasianismo brasileiro.

Os dois livros não teriam sido feitos pelos espíritos a eles atribuídos. Isso é quase certo, faltando uma comprovação oficial científica, que ainda não foi feita. Mas tudo indica que não foi, uma vez que Humberto de Campos não teria escrito um livro fantasioso e poetas como Casimiro de Abreu e Olavo Bilac não aparecem com suas caraterísticas estilísticas precisas nos poemas a eles atribuídos.

Houve até mesmo denúncia de que Chico Xavier teria trocado os estilos de Augusto dos Anjos com o de Antero de Quental, conforme analisaram especialistas literários. E, mais tarde, um sobrinho denunciou dizendo que foi ele que escreveu os poemas "espirituais" publicados aos poucos, de 1932 até 1955, quando saiu a edição definitiva do livro.

Chico também é acusado de plagiar obras - em Brasil, Coração do Mundo... ele teria plagiado até o livro humorístico de Humberto, O Brasil Anedótico - , acusação que também foi dada contra Divaldo Franco, o que põe a atividade mediúnica em xeque. Mas por que será?

Eles não são médiuns? São, mas eles, além de serem médiuns anti-médiuns, porque não são os intermediários das comunicações espirituais - comparados aos discretíssimos médiuns consultados por Allan Kardec, Chico e Divaldo são meros popstars - , a mediunidade deles, até pelas suas fraquezas pessoais notórias, não raro falhavam em muitos instantes.

A concentração falhava, e muitas vezes havia até mesmo o "animismo", a "mediunidade de si mesmo", ou a simples questão da imaginação fértil e alucinada que pensa ser mediunidade. Juntando esses lapsos com as falhas pessoais, a vontade de plagiar, de enganar e se aproveitar da boa-fé dos incautos, então a coisa fica muito séria.

Em muitos momentos, falta aquela receptividade espiritual que muitos atribuem ser uma constante em Chico e Divaldo, mas que "desaparece" nos momentos mais necessários. Tomados de paixões materiais, os dois católicos "dissidentes" no Espiritolicismo só conseguem receber seus respectivos "mentores" espirituais, autoritários a ponto de intimidar a chegada de outros espíritos aos médiuns.

Sim, é como se, por exemplo, estivermos diante da entrada de uma boate e lá está o "leão-de-chácara", espécie de guarda ou porteiro considerado de perfil bastante agressivo e ameaçador. Se a presença dele intimida as pessoas, pela ameaça que sua força física representa, não chegaremos à boate para curtirmos os embalos noturnos, certo?

É talvez o caso de Divaldo e Chico, tomados pela prepotência dos católicos Joana de Angelis (que pode não ter sido Joana Angélica) e Emmanuel (que, em contrapartida, pode ter sido mesmo o neo-medieval Padre Manoel da Nóbrega), que nem sempre puderam ou mesmo quiseram exercer a mediunidade de forma constante e responsável.

Chegaram momentos em que eles não tinham concentração alguma para receber outros espíritos. É possível que se sentiam frustrados com isso, ou talvez aliviados, se a mediunidade lhes significa mais trabalho e compromissos. Mas, em nome do sensacionalismo religioso, tinham que dar a impressão de que recebiam todos os falecidos do mundo inteiro 24 horas por dia, sete dias por semana.

Falam que até Marilyn Monroe mandou recado para Chico Xavier. Nada disso. No livro Estantes da Vida, a suposta entrevista com Marilyn pode ter sido apenas um devaneio sensual de Chico que, como tantos que conheceram a atriz em seu auge, ficaram tristes com seu falecimento prematuro.

Imagine então outros médiuns ou supostos médiuns, com mania de receber qualquer um que lhe vier à cabeça, mas dotados de uma mediunidade ainda mais frágil e inconstante, divulgarem mensagens duvidosas que pelo seu caráter irregular - como apresentar caraterísticas que contradizem aspectos pessoais dos espíritos atribuídos a tais mensagens - já denunciam não serem mediunidade alguma.

No entanto, o "espiritismo" brasileiro, com seu provincianismo, com sua religiosidade anacrônica e seu moralismo retrógrado, com sua credibilidade bastante duvidosa, não iria atrair o mundo para si, e nem os espíritos do além se interessariam a chegar a ele, sequer pela porta dos fundos.

A imaginação fértil que "socorre" diante dos lapsos de mediunidade, a invigilância no caráter, as paixões pessoais por prestígio e visibilidade os descuidos com o dom mediúnico fazem com que o trabalho espiritualista, mesmo da parte de gente badalada como Chico Xavier e Divaldo Franco, se torne bastante irregular.

Era esse perigo que Allan Kardec já alertou em seus livros. A disciplina do dom mediúnico não foi exercida no Brasil, o que permitiu ao desenvolvimento, no país, de um "espiritismo" caricato, frouxo, excessivamente místico e moralista, que praticamente nada contribuiu para o advento de uma nova espiritualidade, antes às muitas fraudes e falhas graves cometidas.

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