sábado, 28 de junho de 2014

Não é fácil ser Raul Seixas. Ainda mais depois de morto


Em 1976, Raul Seixas gravou a música "Eu Também Quero Reclamar", no qual se queixava da banalização da canção de protesto. De um jeito bastante cínico, ele cantava o verso "Todo mundo quer é reclamar" num tempo em que o hippismo, já superado nos EUA - os antigos hippies haviam se transformado em pais de família "caretas" ou quase isso - , ainda era intenso no Brasil.

Era uma época em que a bregalização musical crescia, mas não tinha a força quase totalitária dos dias de hoje, ameaçando derrubar a MPB e todo seu legado, e o Brasil ainda vivia a ditadura militar, já em processo de crise política.

Raul Seixas teve uma experiência mística nos anos 70, por influência de seu parceiro e amigo Paulo Coelho, o mesmo que hoje é conhecido escritor de best sellers. No entanto, sempre fez canções de rock ou baladas que falassem ora de problemas existenciais, ora de alegorias críticas (como "Al Capone" e, mais tarde, "Carimbador Maluco"), ora ácidas críticas sociais.

Falecido em 1989, depois de atravessar quase toda a década de 80 abrindo mão do misticismo e vendo o país de maneira cética, antevendo a mediocrização que se tornaria dominante a partir dos anos 90, e que não raro inclui bajulações e apropriações indevidas do carisma do cantor baiano.

Não é fácil ser Raul Seixas. Ainda mais morto. Raul, natural de Salvador, era, como roqueiro baiano, uma figura vista como excêntrica e desprezado pela sociedade. Afinal, ele foi um dos poucos brasileiros que acertou o relógio com a história do rock, já que era fã do estilo já em 1955, época do estouro de "Rock Around The Clock", de Bill Haley & His Comets, gravada no ano anterior.

Raul Seixas tão cedo formou sua banda, Raulzito e Seus Panteras, mas que levou anos para lançar seu primeiro LP, que se deu em 1967. E, apesar do sucesso comercial, Raul era considerado de personalidade difícil, tanto que até o fim da vida resolveu migrar para São Paulo seguir sua carreira musical.

IGNORADO EM VIDA, BAJULADO POST-MORTEM

Pior do que ser visto com estranheza e desprezo pela sociedade, é, depois de falecido, ser bajulado e usurpado por essa mesma sociedade que o desprezou e repudiou, e com a qual o próprio falecido, em vida, também não se identificava.

Raul Seixas passou a ser bajulado por aqueles que ele não gostaria sequer de receber apoio. Ele estava acostumado com o desprezo da mídia e da sociedade e achava mais sincero que, depois de morto, ele pudesse pelo menos ser ignorado por essa parcela da sociedade.

Todavia, Raul recebeu a bajulação até mesmo de estilos musicais que o cantor baiano simplesmente detestava, como a axé-music e o breganejo. Foi preciso que a viúva e parceira Kika Seixas movesse uma ação judicial para impedir que fosse produzido um CD de axé-music em "homenagem" ao roqueiro.

Mas não ficou por aí. Chitãozinho & Xororó, dois dos canastrões da falsa música caipira brasileira, passaram a falar nas entrevistas, com muita presunção, que persistem em suas carreiras por causa da canção "Tente Outra Vez", de Raul.

Por sua vez, Zezé di Camargo & Luciano, outros canastrões do gênero, anunciaram, recentemente, que fizeram uma canção chamada "Teorias de Raul", título do mais novo álbum, com frases e referências extraídas de canções de Raul Seixas. Puro oportunismo.

Em 1988, numa entrevista à revista Bizz, Raul Seixas reclamava de ser contratado pela Copacabana Discos, uma "gravadora de música caipira", como havia dito pejorativamente. Esse foi o tom que Raul deu àqueles que hoje se autoproclamam "influenciados por ele", fazendo o que Marcelo Nova, discípulo e último parceiro de Raul, definiu como "pegar carona na cauda do cometa".

O ESPIRITOLICISMO

E o "espiritismo" brasileiro, óbvio, não deixa de tirar uma casquinha no carisma de Raul. Nelson Moraes investiu no "espírito Zílio", supostamente atribuído ao roqueiro baiano, que ainda estava preso em um misticismo religioso que já não fazia a cabeça do cantor nos seus últimos anos de vida.

O "Raul Seixas" de Nelson Moraes passou a fazer proselitismo religioso, mostrando uma personalidade estereotipada, ora por demais desesperada, em relação aos "sofrimentos espirituais", ora por demais infantilizada, destoando, e muito, da personalidade que o roqueiro teve em vida.

Além de Nelson, não houve outras investidas na usurpação do nome do roqueiro baiano. Mas tais investidas que foram feitas já são de uma grande gravidade, apostando em clichês colhidos da abordagem que Raul Seixas recebia da grande mídia (sobretudo Rede Globo), como um misto de louco, místico, drogado, clichês que serviram para "construir" o perfil de Zílio.

Raul Seixas, como espírito, teria dado sequência à sua visão cética sobre o mundo. Não teria se transformado num propagandista religioso, que é a imagem que os falecidos recebem das abordagens "espíritas" realizadas no Brasil. Todo mundo fazendo propaganda de "amor, fé e caridade", com panfletarismo e proselitismo.

Não se pode ser laico ou mesmo profano no além. Ou melhor, não se pode admitir, aqui na Terra, que os espíritos são laicos e não passam o tempo todo orando e recebendo bênçãos. O mundo espiritual não é um mosteiro, e isso é o que os "espíritas" brasileiros não querem admitir. E eles ainda se acham no direito de usurpar do carisma de falecidos ilustres.

Raul Seixas está em outra. Talvez ele até se divirta mais diante de metáforas como as do amigo Marcelo Nova, dadas no programa "Let's Rock" da Transamérica FM, nos anos 90. Nova disse que os roqueiros em geral, inclusive Elvis Presley e Raul Seixas, estão "no inferno".

Pode ser uma alegoria exagerada e que provoque interpretações equivocadas, mas o comentário de Marcelo Nova condiz muito mais à natureza de Raul Seixas, um rebelde do rock, do que sua imagem ao mesmo tempo adocicada e debiloide que o Espiritolicismo trabalha dele a partir da mesma caricatura midiática que permite também, que breganejos peguem carona no carisma do cantor.

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