domingo, 3 de agosto de 2014

'Parnaso de Além-Túmulo' se revela um trabalho inseguro

CHICO XAVIER E WANTUIL DE FREITAS, ENTÃO PRESIDENTE DA FEB, TROCARAM CORRESPONDÊNCIA SOBRE AS ALTERAÇÕES FEITAS NO LIVRO DE POEMAS.

Aqui sabemos que Parnaso de Além-Túmulo, que deveria ser uma publicação perfeita e perfeccionista já na sua primeira edição, já que pretende ser um dos livros básicos para a espiritualidade brasileira, com a pretensão vanguardista anunciada pela Federação "Espírita" Brasileira, já demonstrou sua insegurança desde o começo.

Lançando o "médium" - melhor dizer anti-médium, pelo caráter centralizador e não intermediário - Francisco Cândido Xavier, o livro já causou repercussão negativa em muitos especialistas em literatura, que identificaram nos poemas supostamente espirituais falhas grotescas de qualidade em relação ao que os autores atribuídos fizeram em vida.

A questão das manifestações (em tese) espirituais ocorreu de maneira confusa, já que em terras brasileiras não se projetou expressivamente o cientificismo de Allan Kardec. O "espiritismo" aqui se desenvolveu como religião, com suas igrejas (os "centros espíritas"), dogmas e rituais.

E isso permitiu que o "espiritismo" brasileiro se desse de forma caótica, a ponto de um livro de poemas que se destinasse a divulgar "palavras de amor, luz, caridade e fraternidade" tivesse que alterar palavras e incluir ou excluir textos, levando 23 anos para chegar a uma edição definitiva.

23 anos não é pouca coisa. É a idade média de um formando de graduação numa universidade. Nesta etapa da vida a pessoa já é considerada plenamente adulta, e muitas façanhas são realizadas na casa dos 23 anos. O cantor dos Doors, Jim Morrison, por exemplo, contava com 23 anos quando gravou músicas como "The End" e "Light My Fire".

Como é que um livro só consegue chegar a uma edição definitiva mais de duas décadas depois pode ser considerado confiável? E por que se permitiu que fossem publicados poemas sem métrica ou de elaboração imperfeita? Por que só tardiamente foram suprimidos poemas considerados "agressivos" para a doutrina a que se servia o livro?

Algumas mensagens de cartas de Chico Xavier ao então presidente da Federação "Espírita" Brasileira, Antônio Wantuil de Freitas, são ilustrativas desse tendenciosismo que elimina a pretensa perfeição de Parnaso de Além-Túmulo. As cartas - selecionamos os trechos das que antecedem a edição definitiva -  foram publicadas no livro Testemunhos de Chico Xavier, de Suely Caldas Schubert:

Vou trabalhar na revisão final do ‘Parnaso’, sob a orientação de Emmanuel e de outros amigos. Espero enviar-te o volume, que se encontra comigo, há tempos, em breves dias. Ficas com a liberdade de aprovar ou não as sugestões que foram apresentadas daqui. Considero igualmente contigo que o ‘Parnaso’ está muito volumoso, mas se eu pudesse votar por alguma alteração, votaria pela supressão de algumas poesias, sem substituição. Assim, o livro ficaria num tamanho mais agradável. Concordas? A escolha das produções a serem afastadas dependeria de tua revisão. Organizarias uma relação delas e apresentá-la-ei aos nossos amigos espirituais para a solução definitiva.  (28.05.1953)

Meu caro Wantuil, na primeira oportunidade, enviarei o ‘Parnaso’. Emmanuel, porém, me disse que, considerando melhor as lutas do nosso campo de ação, seria interessante a reedição sem nada alterar, de modo a não oferecermos combustível à fogueira dos nossos adversários gratuitos. Que achas? Mais um abraço do - Chico. (10.09.1953)

Minha referência ao ‘Parnaso’ em carta última foi feita porque eu havia pedido a Emmanuel estudássemos um recurso de retirar algumas das produções do livro referido, que julgo menos compatíveis com a respeitabilidade de nossa Consoladora Doutrina. Pensei me houvesse comunicado contigo, acerca do assunto, em correspondências anteriores. Nosso orientador espiritual, porém, conforme notifiquei na missiva última, julga devamos deixar o ‘Parnaso’ tal como está, de modo a não atrairmos qualquer nova faixa de incompreensão. Aguardemos mais tempo. (24.09.1953)

Sobre o ‘Parnaso’, Emmanuel me disse que poderás retirar do texto de 15 a 20 trabalhos que julgues menos adequados ao livro e daqui te enviarei 10 a 15 que possam figurar na nova edição com mais propriedade. Certo? Aguardo as tuas notícias. (18.06.1954)

Portanto, um trabalho como Parnaso de Além-Túmulo, que se autoproclama "iluminado", ao qual muitos ditos "espíritas" lhe dão confiança plena e até incondicional, não merece essa reputação tão perfeita, vide que suas imperfeições, não raro escandalosas, praticamente anularam seu caráter de suposta luminosidade.

Muitas dessas alterações eram tendenciosas ou foram feitas mediante alguma polêmica. E isso se já não bastasse a reunião insolitamente maciça de poetas de tempos diferentes, como quem reúne carneiros de um lado ou de outro para formar rebanho.

E, se fosse para "aperfeiçoar" o trabalho, em revisões sucessivas, por que não esperar a publicação quando se chegasse à edição definitiva, e não sair publicando com imperfeições que beiram à aberração? Isso lembra muito o que se faz com a música brega-popularesca no Brasil, em que ídolos fazem sucesso de forma medíocre e, com 20 anos de carreira, ainda parecem iniciantes e sofríveis!

Fica tudo muito estranho. E as alterações sucessivas só fazem desmerecer o crédito do livro, já que elas foram feitas de forma tendenciosa e em circunstâncias que de uma forma ou de outra apresentaram algum incômodo.

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