sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

As relações entre o "movimento espírita" e o poder midiático


O que faz popularizar-se o "movimento espírita" no Brasil?  Em boa parte, o que contribui para a expansão desse movimento religioso é a aliança que ele faz com o poderio midiático existente no Brasil, que cria um padrão de "espiritismo" a ser "aceito por todos".

A grande mídia ajudou o Espiritolicismo a criar um padrão "limpinho" do que se entende como "espiritismo" no nosso país. Um roustanguismo sem Jean-Baptiste Roustaing e um kardecismo com Chico Xavier, sem as polêmicas dos dois lados. Sem Roustaing, mas também sem Afonso Torteroli e Amauri Pena Xavier, mas um religiosismo "limpo" com pedantismo pretensamente científico.

Quando muito, só se admite um maniqueísmo, e de preferência ao nível de um conto de fadas, entre uma Igreja Católica ortodoxa que, feito vilã de fábulas infantis, se opõe severamente a um "espiritismo" que promete transformar o Brasil na maior nação humanitária de todo o Universo (sim, todo o Universo).

A grande mídia, dotada de interesses comerciais que a fazem promover uma ideologia "asséptica", embora nos últimos tempos apresentasse gente ainda mais reacionária - como Rachel Sheherazade, Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, Eliane Cantanhede e até o roqueiro Lobão - , tem essa habilidade de criar ideais "limpinhos", se esforçando em evitar a menor polêmica possível.

Sabemos, por exemplo, que as Organizações Globo, de tradição católica mas supostamente "laica", anda usando o "espiritismo" brasileiro para fazer frente ao neo-pentecostalismo da Igreja Universal do Reino de Deus, que controla a principal rede concorrente, a Rede Record.

Dessa feita, enquanto a Record ataca de novelas bíblicas, que a exemplo das congêneres "globais", estão sendo transmitidas com imagens de cinema, a Globo vem com filmes de longa-metragem de conteúdo "espírita", como as produções sobre Chico Xavier e o filme Nosso Lar, uma ficção científica de quinta categoria que foi promovida a relato "verídico" do "mundo espiritual".

O "espiritismo" brasileiro é ideologicamente conservador, sendo também moralista e punitivo, extremamente místico e falsamente científico, adotando uma postura pedante que aprecia o conhecimento científico de maneira superficial, mas também ao mesmo tempo esotérica e alucinada.

Essa religião cai como luva para os padrões do poder midiático de determinadas redes, como Globo e Bandeirantes - cuja filial baiana já abrigou o programa Visão Social, do anti-médium José Medrado, e o espaço de outro anti-médium, Divaldo Franco, no programa Falando Francamente - , devido às afinidades de controle social e conservadorismo "moderado" que mídia e Espiritolicismo possuem.

O "espiritismo" brasileiro tem essa habilidade de diluir o sentimento religioso em contextos supostamente laicos, como se dilui gotas de limão na água com gás que é vendida como se fosse refrigerante com baixo teor de açúcar e leve sabor de fruta, cujo nome de uma das marcas, H2OH (da Pepsi) fez muita gente pensar que H2O não é fórmula da água comum, mas tipo de "água com sabor".

A mídia é responsável pela mediocrização cultural, criando um padrão "não fede nem cheira" que às vezes, em vez de exalar um odor agradável, dispara um fedor incômodo. Por vezes esse fedor é amenizado, mas não extinto, e eventualmente o perfume que se colocar para forjar um bom cheiro é insuficiente para desfazer o odor desagradável.

No entanto, esse padrão faz as pessoas ficarem tão acomodadas que pode haver lixo em todos os cantos que pouca gente se inquieta. Em certos casos, criam-se desculpas para todo tipo de erro e defeito, e é assustador ver que existem pessoas que se irritam porque outras têm a coragem e o esforço de denunciar os abusos existentes no cotidiano brasileiro.

COMO SE DÃO AS MANOBRAS MIDIÁTICAS?

A TV aberta tem um espaço morno para pregações espiritólicas. Precisam agir "aos poucos" com filmes e novelas "espiritualistas", lançando grandes produções "espíritas" que, em si, já são enredos comerciais de pregação religiosa unida a fenômenos sobrenaturais, ingredientes que, fora do contexto religioso, já possuem grande apelo de audiência.

Há um interesse comercial que faz com que assuntos sobrenaturais ganhem maior destaque, pelo apelo sensacionalista que o "mundo oculto" deve ter, bem mais do que analisar discursos ocultos pela manipulação retórica dos telejornais e até de programas humorísticos.

Junte-se elementos sobrenaturais e campanhas moralistas, e joga-se no meio uma religiosidade católica enrustida e temos produções "espíritas" que nem de longe lembram as análises científicas de Allan Kardec. Nem o Filme dos Espíritos, que se arrogou em ser "inspirado" em livro de Kardec, se influenciou pelo professor francês. Apenas fez propaganda enganosa.

Quanto a seus personagens, os anti-médiuns já deixaram a postura de intermediários - como eram os médiuns originais dos fenômenos espíritas autênticos - para serem os astros principais de seus espetáculos.

Eles, em si, já lidam com o sistema de estrelato no seu meio e, a exemplo de Divaldo Franco, possuem habilidosa capacidade de elaborar um discurso televisivo, incluindo timing e modos de falar e gesticular, e, portanto, um talento para convencer os espectadores através das palestras.

Há todo um discurso de pseudo-sabedoria, de pretensa autoridade moral e retórica pseudo-científica, que faz do "espiritismo" brasileiro, por si só, um mecanismo midiático. E isso quando usa o derivado do termo mídia, ligado a ideia de meio e intermediação, o termo "médium", para definir pessoas que há muito deixaram a função intermediária, virando os centros das atenções.

Divaldo Franco e Chico Xavier nem deveriam ser chamados de médiuns, mas de "centruns". Eles, por si só, são fenômenos midiáticos, sendo o segundo mais afim com os interesses da Globo, pelo seu apelo popular e pelos estereótipos de velhice e humildade que agradam a corporação dos irmãos Marinho, pois o primeiro está mais ligado a veículos "independentes", sobretudo da TV paga.

Eles estão mais para "centruns" e não para médiuns, porque até mesmo para recorrer a informações de falecidos, eles são os centros das atenções. Eles acabam "servindo para tudo": conselheiros sentimentais, criadores de frases pretensamente sábias, dublês de filósofos, de profetas, psicólogos e até de cientistas, praticamente centralizando todas as atenções e dominando o processo todo.

Não há um movimento sistematizado de contestação e investigação a esse processo. Quanto surgem notícias sobre escândalos envolvendo o "movimento espírita", eles são relativizados e neutralizados. Vira "polêmica barata".

A última tentativa organizada de contestação, vinda da TV Focus, de Nova Friburgo, através de José Manoel Barbosa, se encerrou com a sua morte, no momento em que o programa começava a fazer sucesso, principalmente através de edições perpetuadas no YouTube e até hoje disponíveis.

A mídia transforma os anti-médiuns em totens e garante temeridade aos cidadãos diante da pretensa superioridade do "movimento espírita". Só em Nosso Lar, a postura de "zumbis do bem" dos assépticos membros das colônias espirituais, com suas roupas branquinhas como nos comerciais de sabão em pó, faz o cidadão sentir medo de contestar o menor vacilo.

Tudo isso acrescido pela imagem de "bom velhinho" de um Chico Xavier idoso com seu sorriso debilitado e suas palavrinhas dóceis. E acrescido pelo moralismo social e religioso que se afina com os interesses do poderio midiático.

Daí que tornou-se um casamento perfeito entre o "movimento espírita" e os chefões da grande mídia, para transformar os brasileiros numa multidão ao mesmo tempo domesticada e submissa, mas sentindo a impressão contrária de tais constatações.

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