domingo, 11 de janeiro de 2015

Dr. Fritz e a estranha prática das curas "espirituais"

ILUSTRAÇÃO DO QUE TERIA SIDO O DR. FRITZ

A mediunidade indisciplinada e quase nunca devidamente pesquisada mostra fenômenos um tanto sinistros, como é o caso de Dr. Fritz, lembrado hoje devido aos 44 anos do falecimento de seu primeiro médium, José Pedro de Freitas, o Zé Arigó, num acidente de carro.

A figura enigmática do Dr. Fritz está associada a casos de aparente cura por vias "espirituais", uma prática até possível, como se atribui até mesmo a Jesus Cristo, mas bastante irregular e feita sem muita afinidade com os procedimentos científicos sérios.

Dr. Fritz, segundo diz uma tese mais provável, teria sido Adolf Fritz (1876-1918), médico que teria servido a então Grande Guerra, hoje conhecida como a Primeira Guerra Mundial, e teria falhado no socorro a uma jovem doente, filha de um general. Assim que ela morreu, o general ordenou a prisão de Fritz, tido como culpado pela morte.

Quanto ao falecimento do próprio Fritz, não existem informações sobre como nem onde teria ocorrido, embora sabe-se apenas, por conta desta tese, que teria sido durante a Primeira Guerra, em 1918, pouco antes de seu fim.

A "participação" de Fritz no Brasil teria se dado quando, em 1950, quando José Pedro, conhecido popularmente como Zé Arigó, casado e com filhos, estava muito doente, e tinha visões de um espectro brilhante que falava um idioma que ele desconhecia.

Depois de algum tempo, Arigó sonhou com essa figura, já aparecendo como um homem robusto e calvo, que se vestia à moda antiga e estava numa sala de cirurgia com outros médicos. Sem entender a mensagem, Arigó no entanto entendeu, no contexto do sonho, que foi designado a assumir a incorporação de Dr. Fritz nas suas atividades mediúnicas.

O sonho assustou Arigó que, segundo seus biógrafos, se levantou bruscamente e fugiu nu pelas ruas da cidade mineira de Congonhas, gritando, e depois foi socorrido por familiares e amigos que o levaram de volta para casa, e, uma vez regressado, chorou copiosamente.

A prática causou muita polêmica pelo seu procedimento simples de usar um canivete ou uma faca, sem rigorosa higiene, para cortar uma parte do corpo e muitas vezes extrair um tumor. Segundo se diz, o corte causava pouco sangramento e se cicatrizava rapidamente.

O primeiro beneficiado teria sido o senador mineiro Carlos Alberto Lúcio Bittencourt, que teria sido curado de câncer do pulmão. Teria atendido a filha do então presidente Juscelino Kubitschek, Márcia Kubitschek, e foi indultado pelo político mineiro assim que foi processado, em 1956, pela Associação Médica de Minas Gerais, livrando-o da prisão.

O processo judicial da associação acusava Arigó de curandeirismo e exercício ilegal da medicina. Em 1964, Arigó foi novamente processado, mas como se achava ainda beneficiado de um indulto, não se apresentou à Justiça e foi detido em 18 de novembro, ficando sete meses preso e realizando "curas" no presídio, aumentando seu prestígio.

Em 1971, sonhou com um crucifixo preto, de forma que acreditou que iria morrer. Ao entrar no seu consultório, avisou aos pacientes que o esperaram que teria que viajar para buscar um carro, naquele 11 de janeiro, mas não retornou, pois havia falecido em um acidente na BR-040, depois de perder a direção ao sofrer um mal súbito.

Dr. Fritz se manifestou em outros médiuns, alguns deles também com desfechos trágicos. Os irmãos baianos Oscar e Edivaldo Wilde, que se alternaram na incorporação do Dr. Fritz. Os dois faleceram em acidentes automobilísticos. Não eram muito famosos. Já Edson Queiroz era tão famoso quanto Arigó, e atuou na década de 70 e começo da de 80. Morreu assassinado por um caseiro, em 1991.

O médico alemão teria se manifestado também em Rubens Farias Jr., a partir de 1991. Rubens disse que operou até mesmo o ator Christopher Reeve, que fez o Super-Homem no cinema. Mas Rubens era acusado de cobrança de consultas, sonegação de impostos, homicídios doloso ou culposo, sem falar da própria prática ilegal da medicina, entre outros delitos.

Rubens continua vivo, mas, até o momento da edição deste texto, ele havia tido um sonho no qual Dr. Fritz teria anunciado uma morte violenta para seu colaborador de então, algo que até o momento não aconteceu.

PRÁTICA ILEGAL?

A prática curandeira do Dr. Fritz causou muita polêmica. Cientistas chegaram a analisar seu processo, sem apontar nele práticas de ilusionismo ou charlatanismo, mas não chegaram a conclusões definitivamente favoráveis ao processo.

Nota-se que os supostos médiuns que colaboraram com ele - há vários agindo atualmente em seu nome - não eram necessariamente "espíritas", mas católicos, tendo a prática feita sem qualquer vínculo com o "espiritismo" brasileiro, apesar do respaldo dos líderes "espíritas" de Minas Gerais.

Observa-se também que, pelas tragédias ocorridas subitamente e pelo próprio caráter dos colaboradores, que Dr. Fritz era um espírito de evolução bastante inferior, que era incorporado em espíritos de índole instável, que misteriosamente faleceram depois de algum incidente grave.

Sobre a prática de suas "cirurgias", o processo ainda se revela discutível, embora parecessse verossímil. Mas, com certeza, ele age divorciado do rigor científico e dos procedimentos médicos regulares que teriam sido considerados até mesmo nas curas mediúnicas, pelo claro respeito à ciência.

Em vez disso, o que se observa é que, mais uma vez, um procedimento supostamente espiritualista, mesmo evocando a ciência, sucumbe à mistificação e à ideia do sobrenatural. Num país em que o "espiritismo" vira Casa da Mãe Joana, que é o Brasil, esses processos sempre se revelam confusos, contraditórios, misteriosos.

Só esse rol de enigmas e controvérsias que cercam qualquer prática "espiritualista", seja ela ligada ou não ao "movimento espírita", fez com que as atividades relacionadas à vida espiritual ou à manifestação de espíritos do além, no Brasil, torna-se sempre duvidosa, já que não existe uma visão coerente e precisa que possa comprovar definitivamente tais atividades.

Pior é que o "movimento espírita" prefere que nos preocupemos mais em "curas espirituais", em vez de nos empenharmos para estimular a pesquisa científica para curas de doenças. Não que curas espirituais sejam impossíveis, mas da forma como são feitas elas são irregulares e de eficiência duvidosa, tendendo, mesmo, ao charlatanismo e à pseudo-ciência.

Se, em vez disso, nos preocuparmos em investir melhor os cientistas, pedir maiores recursos financeiros para pesquisas científicas, obteremos curas bem mais certas e eficientes, dentro de processos científicos e médicos confiáveis, com maiores possibilidades de êxito.

Mas, se submetermos as esperanças de cura a processos místicos e nem sempre confiáveis, tudo fica obscurecido pelas trevas do misticismo e do exotismo que deslumbra muitas pessoas dotadas de boa-fé.

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