sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Espiritismo e cultura rock: iguais processos de domesticação no Brasil


No Brasil, existe o hábito de introduzir novidades sempre adaptadas em bases velhas. Geralmente ideologias novas ou propostas arrojadas, para serem introduzidas no Brasil, em vez de romper com estruturas precedentes e já saturadas, os adaptam, trazendo para os novos ideais procedimentos decadentes que eliminam o aspecto inovador de cada novo ideal.

O próprio "movimento espírita" segue esse contexto, quando as ideias arrojadas do pedagogo Allan Kardec, fundamentada na onda de descobertas e novidades no âmbito do conhecimento científico, foram introduzidas no Brasil e diluídas a ponto de praticamente se reduzirem a um religiosismo conservador cujos avanços restringem a um confuso e inócuo pedantismo pseudo-científico.

E já que estamos na época de celebrar os 30 anos do Rock In Rio, outro exemplo mostra o quanto o Brasil tem essa mania de "podar" ideias arrojadas, diluindo-as a um nível que pareça ao mesmo tempo inócuo e estabilizável, minimizando os efeitos revolucionários da maneira que adaptam as novas ideias a procedimentos e abordagens decadentes e até obsoletos.

O Rock In Rio, claro, foi um evento que consagrou o mercado de música internacional e que constituiu para popularizar um tipo de comportamento juvenil que não é exclusivo dos ouvintes de rock, mas caraterístico e típico deles.

Para quem não entende a cultura rock, vale uma ligeira explicação. O rock, ritmo surgido há 60 anos, se amadureceu na década de 1960 ao assumir uma diversidade cultural e um engajamento ideológico que mobilizou muitos jovens que pediam a transformação da humanidade, reagindo contra procedimentos e valores antiquados vigentes na sociedade.

Com a cultura rock, criou-se uma cultura alternativa, que se diversificava conforme o contexto de cada país, que estabeleceu um estado de espírito juvenil voltado à contestação, ao exame, ao questionamento da realidade, além de uma atuação independente de poderes e valores considerados dominantes.

Desde então, vieram correntes que eram até divergentes entre si, mas eram baseadas na atuação independente e no engajamento artístico e sócio-cultural, como o psicodelismo, o punk e o pós-punk, entre outras expressões.

E, de repente, esse estado de espírito chegava ao Brasil a partir do começo dos anos 70 e que se ampliou quando uma geração de rádios roqueiras, no início dos anos 80, divulgava movimentos culturais e adotava uma mentalidade não só musical, mas também sócio-cultural e ativista. A Fluminense FM, de Niterói, simbolizava esse espírito que se encaixava no período de decadência da ditadura militar.

O Rock In Rio iria ampliar essa mentalidade, mas, com o tempo, uma leva de rádios comerciais começou a trabalhar uma imagem domesticada do jovem roqueiro, eliminando o que ele tinha de mobilizador e reduzindo a rebeldia a aspectos formais, como vestuário e vocabulário, que na prática escondiam ideias e procedimentos conservadores.

A 89 FM de São Paulo é seu símbolo maior (atualmente, tem também a Rádio Cidade, no Rio de Janeiro). A emissora tem como donos uma família cujo patriarca foi político da ARENA durante a ditadura militar, a mesma que foi apoiada por Chico Xavier (que muitos incautos pensam ser progressista).

Isso diz muito para uma rádio que tenta "canalizar" a rebeldia juvenil para um nível ideológico mais conservador, voltado ao consumismo ao invés do ativismo. E diz muito o fato da rádio adotar um padrão de locutores que parecem falar com os roqueiros como se fossem criancinhas mimadas de 12 anos.

Com isso, a família fica completa. Os pais evitam se aprofundar no conhecimento científico de Allan Kardec, que abriria às portas para o cientificismo geral europeu (como Voltaire e Rousseau), e se contentam em "estudar Kardec" através do religiosismo conservador de Chico Xavier.

Enquanto isso, os filhos evitam se aprofundar no questionamento juvenil da realidade, se conformando até demais com o "sistema", usando o "rock pesado" tocado pela 89 FM ou pela Rádio Cidade apenas como mera catarse para extravasar seus instintos como num "exorcismo" para gastarem energia e voltarem ao sossego do conservadorismo de ideias.

E todos orando em silêncio enquanto o Brasil apresenta problemas diversos, fruto de novidades mal assimiladas e de um atraso que não consegue ser superado de forma alguma. E ainda acreditam que é esse país que vai comandar a humanidade planetária no futuro.

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