domingo, 19 de abril de 2015

A "religião do rock", sua cegueira e surdez

O ESTRANHO VÍNCULO ENTRE PODER DITATORIAL E REBELDIA JUVENIL - O ministro e general César Cals aparece ao lado de herdeiros da "rádio rock" 89 FM, um deles com camiseta de rock.

Só mesmo a mania de "religiosizar" as coisas, num Brasil já "divinizado" como pátria, para que valores conservadores estabeleçam um vínculo estranho com ideias supostamente novas. Para um país que construiu seu Iluminismo mantendo estruturas escravistas e estabeleceu seu "espiritismo" fundamentado nas bases do Catolicismo medieval redivivo, isso faz sentido.

Na ilustração acima, referente à emissora de rádio paulistana 89 FM, que celebra em dezembro 30 anos como "rádio de rock" - um mito que não corresponde ao desempenho irregular da emissora no gênero - , uma séria contradição revela o pano de fundo ditatorial que cerca a emissora, "tradicionalmente" associada a um padrão de rebeldia juvenil aceito pelo senso comum de hoje.

Nela, o patriarca dos donos da rádio, José Camargo (que aparece com terno escuro), aparece ao lado de seus filhos e hoje administradores da 89 FM, sendo o mais jovem deles exibindo uma camiseta da banda de rock Kiss.

Junto a eles aparece, com terno cinza, o ministro da ditadura César Cals, ex-governador "biônico" do Ceará durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici, cargo do qual tornou-se um dos "coronéis" políticos do Estado.

José Camargo foi um político que começou sua carreira na ditadura militar, tendo sido filiado à ARENA e ligado ao famoso político paulista Paulo Maluf. Era também parceiro e colega do também malufista José Maria Marin, que como deputado protestou contra o boicote da TV Cultura a um ato do governo paulista em 1975, recusando-se a fazer reportagem sobre o feito.

O protesto de Marin influiu na prisão do chefe de jornalismo da emissora, Vladimir Herzog, que depois resultou na sua tortura e morte, episódio que, pelo radicalismo da repressão militar, deu origem a uma séria crise que fez decair o regime instaurado em 1964.

Hoje Marin é dirigente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e ligado ao "cartola" Ricardo Teixeira, o que diz muito à tendenciosa aliança entre rock e futebol em alguns programas humorísticos da 89 FM, como o recente Quem Não Faz Toma.

Apesar desse pano de fundo ditatorial, a 89 FM é tida por muitos como  o "maior" espaço de divulgação de bandas e músicos de punk rock, movimento que no Brasil expressou o protesto de muitos jovens contra a ditadura militar.

Pura incoerência. Mas a "religião do rock", como todo processo de religiosização de qualquer coisa no Brasil, despreza a lógica e a coerência e ignora até mesmo as bases originais, até porque o fenômeno "religiosizado" pega as ideias já deturpadas em segunda ou terceira mão, ninguém faria fundamentalismo com ideias e procedimentos originais, pegam tudo distorcido.

Observa-se até o fato de que os "roqueiros" que ouvem a 89 FM em São Paulo e, com dose maior de estupidez e radicalismo, os que ouvem a Rádio Cidade no Rio de Janeiro, são mais temperamentais do que rebeldes. A roupagem de rebeldia tenta ser a mais verossímil possível, até para a "galera" fazer bonito nos Lollapalooza da vida, mas ideologicamente esses jovens são muito conservadores.

Na verdade, a "religião do rock" nem valoriza exatamente a música rock, mas tão somente um conjunto de estereótipos. mais comportamentais e visuais e, relativamente sonoros. É um pessoal que não sabe a diferença entre Steve Vai e Joe Satriani e odeia falar sobre marcas de guitarras, mas adora posar para fotos botando a língua para fora e fazendo o sinal do diabo com as mãos.

São pessoas que acham que rock é uma mera questão de guitarras distorcidas, músicos com visual louco, comportamento agressivo e vocabulário excessivamente coloquial. É uma imagem de "roqueiro" que mais parece de marionetes da indústria do entretenimento, já que esses jovens não têm a menor ideia do que realmente querem ouvir e são mais conformados com o "sistema".

Para eles, o que as duas rádios (Cidade e 89) determinam como "rock" é o que vale. Um dia "rock" pode ser Prodigy, grupo de música eletrônica. Tanto faz. Se a moda é atacar o Restart, todo mundo adere. Mas, se daqui a três anos a Cidade e a 89 passarem a defender que o Restart é o máximo, o pessoal adere sem reclamar.

No caso da Rádio Cidade - cujos adeptos são tão fanáticos que fazem até cyberbullying para defender a emissora, na Internet - , chegou-se ao ponto de haver uma campanha de seus "roqueiros" convictos para desmoralizar ninguém menos que Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin e Who. E, depois de tanto espinafrarem e ridicularizarem Renato Russo, passaram a ser seus bajuladores baratos.

É como os maus alunos que agridem, ameaçam e ridicularizam o bom professor e, quando as conveniências permitem, derramem elogios entusiasmados a ele. É a hipocrisia a serviço de um tipo de falsa rebeldia que nem de longe tem a ver com o espírito do rock no mundo inteiro, como a constrangedora atitude dos "roqueiros" da 89 e Cidade forjarem um maniqueísmo entre "rock velho" e "rock novo" que inexiste no exterior.

Eles também são os únicos e poucos que acreditam que, no Brasil, futebol é "esporte rock'n'roll". Apesar de muitos jogadores brasileiros usarem penteados punk, a partir do famoso Neymar, 99,99% deles não têm interesse pelo rock. Além disso, a "aliança" entre rock e futebol pela 89 e Cidade só revelam a aliança que seus donos têm com os dirigentes esportivos, que querem criar uma reserva de mercado de jovens "rebeldes" com alto poder aquisitivo para comprar ingressos nos estádios.

A "religião" roqueira mostra esses absurdos, com sua cegueira e surdez. Jovens que não querem saber da realidade da cultura rock no Brasil e no mundo, e não querem ouvir advertências. Estão surdos a visões que contrariam sua compreensão ao mesmo tempo matuta, caricata, reacionária, intransigente e limitada de "cultura rock", como fundamentalistas que vivem fora da realidade.

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