domingo, 27 de dezembro de 2015

Por que os cariocas têm a mania de endeusar as coisas?

RÁDIO CIDADE "ROQUEIRA", PINTURA PADRONIZADA NOS ÔNIBUS, "FUNK" (NA FOTO, DJ MARLBORO) E FUTEBOL CARIOCA - Alvos de devoção religiosa fora da igreja.

Por que os cariocas (e, por conseguinte, os fluminenses em geral) têm a mania de "religiosizar" as coisas? Às vezes uma decisão política ou um fenômeno de mídia não são lá grande coisa, mas lá vêm o pessoal do Rio de Janeiro louvá-los como se fossem divindades.

Essas pessoas louvam tais coisas sem apresentar razão consistente para isso. São tomados mais pela emoção do que por qualquer motivo e chegam a mandar a coerência às favas, porque aquilo que acreditam é pura paixão e por isso não cabe questionar isso, mas aceitá-los com todos os seus absurdos.

Em muitos casos, a "religiosização" é estimulada por "prêmios". A pintura padronizada nos ônibus do Rio de Janeiro e seus fanáticos defensores - já jocosamente chamados de "beatos de carimbo de prefeitura" ou "devotos de São Carimbo" - é defendida com unhas e dentes (já houve casos de trolagem envolvendo esta causa) visando ônibus longos como BRT ou adoção de ar condicionado e uso de chassis de marcas suecas (Scania e Volvo).

No caso da Rádio Cidade - que não apresenta razões consistentes para prevalecer como "rádio de rock" - , o fanatismo em torno de sua suposta causa roqueira (trabalhada de maneira medíocre e com graves equívocos) é motivado pelo "milagre" dos cariocas receberem sempre todo ano os maiores medalhões da cultura rock do mundo, com a histeria de católicos esperando que todo "santo ano" o Papa chegasse para realizar uma missa na Candelária, em plena Av. Pres. Vargas.

O "funk carioca" também foi alvo de endeusamento, que a tendenciosa "etnografia de resultados" de uma elite de intelectuais festivos só fez agravar, diante da promessa que as favelas "melhorariam" com o "milagre" de glúteos empinados e MCs desafinados que fariam a "dança da chuva de dinheiro" com seus rebolados "caindo até o chão".

E o futebol carioca? Essa é a maior "religião" que existe no Rio de Janeiro? Tanto que o fanatismo faz o hábito de torcer por um dos quatro times (Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo) ser critério obrigatório para as relações sociais. Há casos de cariocas que, de maneira agressiva, como em todo fanático, já perguntam para os outros: "Você é de que time?".

Por que essa "religiosização"? Por que, por exemplo, executivos de rádio orquestraram uma "campanha volta Rádio Cidade" para voltar aquele pastiche grotesco de rádio de rock que só deslumbrava uma elite de fanáticos da Barra da Tijuca, Recreio e Zona Sul ou alguns baba-ternos da Baixada Fluminense, São Gonçalo e Niterói? A emissora nunca fez sua história no segmento rock e sempre atuou no gênero de forma desastrosa, no conjunto da obra.

Ou então a "devoção" do "funk" nas favelas, em que os meninos não podem tocar violão nem compor melodias, em que as meninas são obrigadas a fazer o papel de mulheres-objetos para se darem bem na vida, porque isso é que trará o "milagre" da prosperidade social, através de uma imagem idiotizada das periferias trabalhada pelo gênero. Por que isso ocorre?

Por que essa devoção sem motivos coerentes, sem explicação, mas defendida com unhas e dentes? Por que esse espírito de fanatismo e intolerância - em que o intolerante só clama "tolerância" para seus radicalismos surreais, Por que cariocas se aborrecem quando amigos afirmam que não torcem por um dos quatro times e, não obstante, nem futebol curtem?

Por que secretários de Transporte ligados a grupos políticos corruptos, como Alexandre Sansão, Carlos Roberto Osório e Rafael Picciani se transformam em "semi-divindades", discípulas do "deus" Jaime Lerner, pelo ritual de "amarrar" diferentes empresas de ônibus na camisa-de-força de consórcios, impor pintura padronizada que confunde os passageiros mas que garante as "bênçãos" de BRTs, ônibus com ar condicionado em geral e chassis de marcas suecas?

Até o Bilhete Único vira a "hóstia sagrada" da liturgia turística dos passeios no Rio de Janeiro, em que se prometeu o "sacrifício" do fim das linhas diretas entre Zona Norte e Zona Sul - imposição por enquanto suspensa devido a uma ação do Ministério Público - , para que os "fiéis" fizessem sua peregrinação sob rodas dentro de um sistema "integrado" de ônibus.

Endeusamos BRTs, Bilhetes Únicos, rádio comercial que promete tocar "só rock" (mas que geralmente só tocam os "sucessos" do gênero), glúteos de funqueiras, times de futebol e tantas coisas mais, dentro de uma dicotomia sagrado-pagão que a "religiosização" no Rio de Janeiro promove ao transferir a histeria religiosa para fora das igrejas.

Dentro do âmbito religioso, a explicação provável é a força das religiões expressa na devoção católica que enfatiza feriados como o dia de São Jorge, em que só falta fechar a Av. Rio Branco para a realização de procissões.

Da mesma forma, há o fervor religioso que faz a novela bíblica Os Dez Mandamentos da Rede Record superar a audiência do Jornal Nacional, antes objeto de devoção religiosa dos "fiéis", que achavam que Deus é que dava notícias do Brasil e do mundo através de Cid Moreira ou William Bonner.

Ou então, no caso dos "espíritas", se vê o Rio de Janeiro como "principal cozinha" para as pregações igrejistas da religião brasileira, sobretudo porque é a cidade da antiga sede da Federação "Espírita" Brasileira, a "casa-máter" da Av. Passos, jocosamente chamada de "Vaticano espírita", que atualmente é considerada a principal filial da federação.

Isso para não dizer a combinação de valores religiosos com dogmas moralistas que influiu nas vitórias eleitorais de pessoas reacionárias como Jair Bolsonaro e Eduardo Cunha. Não fosse uma entidade "divinizada" combatendo a outra, como as Organizações Globo e seu imponente "globo" divino da Rede Globo de Televisão, o "divino", mas corrupto, Eduardo Cunha, não passaria a ser hostilizado pelos próprios cariocas que o elegeram sob a bandeira da "moralidade".

Fora do âmbito religioso, o que se observa é o deslumbramento que atinge até mesmo fenômenos "pagãos" - mesmo os "corpos siliconados" de Geisy Arruda, Solange Gomes e Mulher Melão seguem esse contexto - , em que até boates e casas noturnas se tornam "templos" de uma curtição obsessiva, e expressam o quanto cariocas e fluminenses levam a "devoção religiosa" para fora dos ambientes litúrgicos.

Da cerveja à gíria "balada", do rock qualquer nota que o que importa é a "sonzeira" que faz, das diferentes empresas de ônibus envoltas numa mesma pintura, do time de futebol que tem sempre que mostrar a imagem de "campeão", tudo é incarado pelos cariocas e fluminenses como se fossem totens religiosos, com todo o fanatismo a que se acham com direito de sentir.

Esse fanatismo é tão notório que é no Rio de Janeiro que se encontram a maioria dos desordeiros digitais, chamados de "troleiros" (ou trolls, em inglês), ou os principais líderes dessas campanhas de humilhações digitais contra aqueles que não compartilham desse fanatismo em prol do "estabelecido".

Não por acaso, são esses "fascistas dentes-de-leite" que, atuantes já desde os tempos pré-Orkut e emergentes no auge deste portal social, viraram embriões tanto de movimentos como Revoltados On Line quanto nos ataques raciais contra negras famosas.

Empolgados em "derrubar" anônimos que, entre outras coisas, diziam que a Rádio Cidade nunca teve vocação para "rádio de rock", a pintura padronizada nos ônibus confunde os passageiros e favorece a corrupção político-empresarial, a gíria "balada" não era expressão de jovens inteligentes e futebol expressa alienação mental, os troleiros acharam que podiam também "derrubar" atrizes negras e blogueiras feministas.

No BRT sem freio de suas trolagens, os troleiros foram atropelados pelos camburões. Presos no seu itinerário de humilhações humanas, reagindo sempre com risadas a qualquer aviso do risco que sofriam ("Não se preocupe. Sei me virar sozinho. KKKKK. Acho que o delegado só vai me chamar para tomar um café, sou legal demais para ser preso. Huahuahuahuah", é o que dizem), eles ignoram que a sociedade mudou em seu caminho e a trolagem hoje é considerada um crime digital.

O que acontece no Rio de Janeiro é que as pessoas extraem da prática religiosa o modo de ver as coisas. E isso faz o Estado do Rio de Janeiro sucumbir vertiginosamente a um provincianismo inimaginável, que joga no lixo todo esforço de se tornar a cidade mais cosmopolita do Brasil. Como São Paulo, que sucumbiu a sua decadência um pouco antes, depois da tentativa, em vão, de virar "cidade-modelo" para o Brasil, a ex-Cidade Maravilhosa agora cai em semelhante provincianismo.

Isso porque, quando se vê as coisas sob o método do fanatismo religioso, em que ônibus com pintura padronizada, gírias festivas como "balada", subcelebridades como Solange Gomes ou a postura supostamente roqueira da Rádio Cidade, para não dizer a "divinização" de Flamengo e os demais três "grandes times" cariocas, as pessoas passam a ver as coisas com pensamento único, e reagem com intolerância quando tudo aquilo que acreditam tem sua validade contestada.

Eles mostram o seu lado "meio devoto de capela, meio jagunço", com o deslumbramento cego por aquilo que acreditam, e com sua fúria cega contra aqueles que questionam tais valores. Autistas em seus processos de deslumbramento e fúria, acham que podem até fazer blogues ofensivos contra suas vítimas, usando levianamente seu legado, para só serem chamados à delegacia para "tomarem um cafezinho".

Essa postura revela o provincianismo que acontece no Estado do Rio de Janeiro. É ilustrativo que um episódio que ocorreu na mundialmente conhecida Ipanema, um linchamento que matou um vendedor, tenha partido de uma "galera tudo de bom" que fazia um luau e realizou uma prática típica de desordeiros de uma isolada cidade rural do interior do país, dessas que mal conseguem ser consideradas cidades com uma praça, uma capelinha, uma farmácia e um armazém.

Daí o grande problema. Que as pessoas possam ter suas religiões, ainda vai. É direito delas, que em seus estágios evolutivos dependem da crença religiosa para se sentirem bem. Mas quando a fé religiosa intervém na realidade e ultrapassa seus templos, ela se torna um problema.

A "religiosização" das coisas no Rio de Janeiro cria um foco de fanatismo e intolerância, o que faz o Estado e sua antes imponente capital afundarem numa decadência de valores, princípios e práticas, algo que nem os jornais chapa-brancas conseguem esconder. O Rio de Janeiro pode estar falido financeiramente, mas ele está muito mais falido em valores e princípios. Que "cidade-modelo" se esperará de sua capital para o resto do Brasil?

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