sexta-feira, 15 de abril de 2016

Aceitar a deturpação do Espiritismo por causa da "bondade" é perigoso


Há uma reação constante na Internet de pessoas que até admitem a deturpação do Espiritismo feita pela doutrina brasileira, mas fazem blindagem em favor de Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco por causa da "bondade" e da "caridade".

A ideia que tais pessoas têm é admitir que os dois lançaram, sim, ideias que contradizem o pensamento de Allan Kardec, mas ambos são respeitáveis e conceituados por causa da "caridade" que está oficialmente associada a eles.

Essa visão, difundida como um mantra nas mídias sociais, por pessoas desesperadas que não têm condições de serem bondosos por conta própria e que precisam de dois estereótipos de "bons velhinhos" para personificar a bondade e a caridade que não entendem, é dotada de muitos equívocos.

Primeiro, porque a "caridade" de Chico Xavier e Divaldo Franco é aquém do que o discurso alardeia em favor deles. A "caridade" de Chico Xavier é nebulosa e, em certos casos, perniciosa. A de Divaldo Franco é muito inócua e sem eficiência definitiva.

Chico Xavier havia doado o faturamento dos direitos autorais e das vendas dos livros para a Federação "Espírita" Brasileira. Isso não é caridade. Isso significa que os dirigentes da FEB ficam com o dinheiro, a exemplo dos sacerdotes do Vaticano no caso de Madre Teresa de Calcutá, que deixou de investir na sua "filantropia" para encher os cofres dos chefões da Igreja Católica.

Além disso, casos de doações de dinheiro são muito vagos e imprecisos. E, no caso da divulgação de "psicografias" de anônimos falecidos, houve crueldade na exposição sensacionalista das tragédias familiares como na produção de mensagens apócrifas tão "confiáveis" quanto trotes telefônicos dados por sequestradores ou estelionatários.

Já Divaldo Franco só ajudou uma parcela ínfima de menos de 0,1% da população de Salvador, o que, em níveis nacionais, é muito mais vergonhoso para o título de "maior filantropo do Brasil" dado a ele, diante de uma dimensão de 200,4 milhões de habitantes, segundo dados do IBGE em 2013.

Seu projeto educacional também é, qualitativamente, frouxo, por ser um programa até correto de alfabetização e curso profissionalizante, mas que nada faz para estimular o senso crítico da pessoa, mas para inserir nela valores igrejistas, muitos deles conservadores, já que é notória a influência católica de Divaldo, que acredita, por exemplo, que Deus tem a forma de um homem.

Mesmo também agindo de forma paliativa, o Bolsa-Família do Partido dos Trabalhadores ajudou muito mais gente que a "caridade" dos dois "médiuns". E, com toda a má reputação que possui, o Movimento dos Sem-Terra tem projetos educacionais que dão um banho em transformação nas mentes humanas sobre o projeto "revolucionário" da Mansão do Caminho.

Afinal, o MST ensina as pessoas a lerem, escreverem e trabalharem, mas ensina também a ter consciência crítica do meio em que vive, de forma que as pessoas possam também agir contra os abusos dos poderosos, sobretudo os grandes proprietários de terras, em boa parte improdutivas ou levianamente produtivas. O sujeito aprende a ler, escrever e trabalhar, mas não se transforma num "brinquedo de Deus".

DETURPAÇÃO NÃO É TRAVESSURA

O que as pessoas não conseguem entender é que a deturpação da Doutrina Espírita não é uma travessura de moleques querendo brincar com o pensamento de Allan Kardec porque é "divertido". Esse processo já revela um rol de mentiras perniciosas e, como se trata de uma forma de enganar e distorcer as coisas, ela já em si desmerece qualquer pretexto de "bondade" alegado.

É até estranho que, num país em que a presidenta Dilma Rousseff sofre campanha para cassação de seu mandato sem que alguma acusação precisa seja feita contra ela e seu antecessor Luís Inácio Lula da Silva, deturpadores severos como Chico Xavier e Divaldo Franco ainda tenham esperança de embarcar numa hipotética recuperação das bases kardecianas, mesmo que só por enfeite.

O que eles fizeram foi de extrema gravidade. Afinal, o que Chico e Divaldo fizeram não foi inserir os "bons ensinamentos cristãos" na doutrina kardeciana, mas corrompê-la com ideias medievais, misticismo barato, fantasias esotéricas e pretensas profecias.

Eles corromperam o Espiritismo, desmoralizaram a mediunidade, que reduziu-se a uma fórmula fácil do faz-de-conta - a pessoa finge que recebe mensagens do além e, para dissimular a fraude, insere mensagens religiosas e "fraternas" - e ainda por cima deturparam o conceito de médium ao se tornarem estrelas, virando o centro das atenções e bancando dublês de "filósofos" para uma sociedade de incautos.

Não é pouca coisa. Analisando tecnicamente e de forma isenta os trabalhos "psicográficos" de Chico Xavier, observa-se falhas quanto aos aspectos pessoais do suposto autor espiritual e as semelhanças quanto ao estilo pessoal do "médium" de Pedro Leopoldo e Uberaba.

O que isso pode indicar de falsidade ideológica é algo sem tamanho. Só mesmo atribuindo a ingenuidade e precariedade da Justiça da época (1944) para ninguém culpar Chico Xavier e a FEB de apropriação indébita da obra de Humberto de Campos.

Está tudo claro. Leiam os livros originais de Humberto de Campos - alguns deles estão no portal Domínio Público - e comparem com os livros "espirituais". A diferença textual é grotesca, a disparidade de estilos é aberrante.

A escrita original de Humberto é fluente, concisa, culta mas acessível, um neoparnasiano com os pés no Modernismo, de narrativa constantemente descontraída. Já a escrita do "espírito Humberto de Campos" é pesada, melancólica, pretensamente erudita mas com sérios erros de linguagem (como cacófatos do tipo "chama maria" e "que cada") e narrativa carregadamente igrejista.

ESQUECENDO OS AVISOS DE ERASTO

Não são molecagens aceitáveis. O que Chico Xavier fez de deturpação, pastiche e fraude é muito, muito grave. E Divaldo Franco foi na carona, inclusive fazendo plágios de plágios, de início copiando Chico Xavier quando este já copiava de outrem. E, ideologicamente, Chico Xavier era adepto da Teologia do Sofrimento católica, de forma bastante explícita. Divaldo ia de carona, embora mais sutil.

Como é que chegam as pessoas para dizer que "pelo menos eles promoviam a caridade"? São pessoas incapazes de serem bondosas por conta própria ou de procurarem outros exemplos de bondade e caridade e dependem de dois senhores retrógrados para personificar, ainda que de maneira discutível, conceitos consagrados de "amor e bondade".

Daí o grande perigo de aceitar Chico Xavier e Divaldo Franco como "exemplos de caridade". Esse "atenuante" a dois deturpadores da Doutrina Espírita demonstra que os espíritas brasileiros, autênticos ou bastardos, se esqueceram dos avisos do espírito de Erasto, dados na época de Kardec.

Erasto disse que é possível que os inimigos internos do Espiritismo apresentem, em suas mensagens, algumas coisas boas, mas é aí que se deve tomar maior cautela, porque elas podem servir de apoio para a transmissão de ideias e conceitos levianos. Pode se considerar as atividades no mesmo sentido das mensagens citadas por Erasto.

Isso significa que Erasto recomendou não ter a menor complacência quando os deturpadores da Doutrina Espírita mostram algum aspecto de bom-mocismo. Ele alertou que os deturpadores podem até mesmo forjar humildade, fingir misericórdia absoluta ou mesmo ficarem em silêncio diante de contestações severas. Podem até mesmo reagir chorando, quando desmascarados.

Por trás da complacência, o que se observa são atividades e ideias confusas que prevalecem. Divaldo Franco personifica o escrevinhador de textos rebuscados advertido por Erasto. E Chico Xavier, o propagador das ideias levianas em território brasileiro, enquanto Divaldo espalha a mistificação pelo mundo.

O fato deles terem feito um péssimo serviço para o Espiritismo é suficiente para que não se tenha complacência com eles nem se relativize seus erros. Eles já fizeram coisa grave, retrocedendo o pensamento inovador de Kardec a um igrejismo barato, de conceitos medievais.

Se as pessoas estão complacentes com Chico Xavier e Divaldo Franco, então essas pessoas também estão equivocadas, por subordinarem a ideia de "bondade" a duas figuras religiosas retrógradas. E acabam indo por um caminho muito perigoso.

Afinal mesmo os espíritas com alguma inclinação para as bases doutrinárias, ao consentir com a "bondade" de Chico e Divaldo, será tentado a ouvi-los e apreciar suas obras, afinal eles são considerados "puros" e "bondosos". Aí é que se quebra o ovo da serpente.

Isso porque, num primeiro momento, elogiamos a "caridade" de Chico e Divaldo. Felizes com seu "bom exemplo", seremos tentados a ouvi-los e ler suas obras. Daqui a pouco estaremos legitimando até as mistificações de Emmanuel e, depois, vamos sonhando em construir parques de diversões em Nosso Lar. Esse é o grande perigo dos que querem recuperar as bases kardecianas mantendo Chico e Divaldo nos seus pedestais.

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