quarta-feira, 20 de abril de 2016

Brasil desgovernado

DOIS DOS MAIORES BENEFICIADOS PELO IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF.

A votação da Câmara dos Deputados pela abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff pode ter sido, para muitos, um momento histórico da vitória da democracia sobre a "roubalheira" do Governo Federal.

No entanto, diante de investigações incompletas e precipitadas, em que as denúncias contra Dilma e o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva mais parecem fofocas de tão vagas e imprecisas, o que se viu foi a consagração da histeria anti-petista que tomou conta do país.

Tudo virou uma questão de ódio contra o PT. Não que fosse proibido fazer oposição ao Partido dos Trabalhadores e fazer duras críticas a Lula e Dilma, mas o que se viu foi um processo doentio de intolerância e rancor, em que o raciocínio objetivo era a última coisa a se cogitar fazer por parte desses anti-petistas doentios.

E isso é preocupante. Por coisas muito mais graves, Divaldo Franco e Francisco Cândido Xavier são aceitos com o mesmo fanatismo, mas por meio de uma outra emoção. Deturpadores da pior espécie da Doutrina Espírita, desonestos quando se autoproclamavam "fiéis" a Allan Kardec enquanto cometiam traições aberrantes ao seu pensamento, eles são protegidos pelos estereótipos.

Sim. É o mundo das aparências que tanto dispara rancor a Lula e Dilma e apela pela complacência mais absoluta a Divaldo e Chico Xavier. Estereótipos são feitos para criar um pretenso maniqueísmo, por conta da aparência física e de outros aparatos ideológicos envolvidos.

Lula tornou-se famoso pela sua figura aparentemente rude de um homem ao mesmo tempo roliço e robusto, com um rosto de feições supostamente duronas, um discurso enérgico e uma origem social precária. Dilma tem a aparência da senhora austera, lembrando a governanta de uma casa, com jeito de durona e voz grave.

Muito diferente das aparências de Chico Xavier e Divaldo Franco, que, por mais que personificassem tipos ainda mais antiquados do que os do "operário bronco" de Lula e da "governanta durona" de Dilma, ainda contam com o apoio, um tanto ingênuo e submisso, de uma boa parcela de brasileiros.

É o estereótipo de Chico Xavier como um caipira inocente, como era até certo tempo, e que foi somado ao de um velhinho frágil e doente. E Divaldo Franco, maquiado à maneira dos aristocratas dos anos 1930, personificando o "bom professor" nos moldes dos anos 1940, verborrágico e grandiloquente, que ainda causam muitas saudades nos brasileiros mais conservadores.

CONSERVADORISMO

Em ambos os lados, há um conservadorismo convicto que, no lado dos ídolos religiosos, está escondido sutilmente em mentes aparentemente progressistas, como a de pessoas que não imaginam que Chico Xavier havia defendido a ditadura militar no auge desta e o "bondoso médium" teria provavelmente defendido a saída de Dilma da presidência da República, por "falta de amor ao próximo".

A sociedade brasileira ainda é altamente conservadora. Mesmo quando, no âmbito político e econômico, ou mesmo em alguns valores morais, alega postura progressista, nos âmbitos cultural e religioso mostram um sutil conservadorismo, em muitos casos, disfarçado pela postura progressista em outras áreas.

Com isso, o Brasil não consegue sustentar governos progressistas e o de Dilma Rousseff tornou-se frágil pelo apego a projetos políticos e econômicos conservadores, sobretudo com a condescendência a uma mídia reacionária que, fortalecida com as verbas federais, desenvolveu munição pesada para desmoralizar a presidenta, que acabou sustentando os que depois decidiram derrubá-la.

Diante de uma campanha midiática atroz, o Congresso Nacional foi estimulado a votar pelo impedimento político, sendo 367 votos a favor da abertura do processo de impeachment e 137 contra, além de outros nove, entre abstenções e ausências.

Tudo isso movido pela mesma "paixão cega" que criminaliza Lula e Dilma mas permite que Divaldo Franco e Chico Xavier façam suas fraudes, invistam em falsidade ideológica, protegidos pela aparência de "divulgadores da mensagem cristã" e pretensos filantropos.

São apenas desvarios emocionais, devaneios moralistas que se julgam acima de qualquer objetividade, e que fazem o julgamento de valor mais pelo que as aparências inspiram de "simpático" ou de "antipático" na sociedade.

As pessoas foram dormir tranquilas e felizes, sem saber que o Brasil ficou desgovernado, com a aprovação do impeachment. É como um viajante que dorme feliz quando o ônibus, percorrendo uma rodovia escura, roda em altíssima velocidade e mal consegue enxergar o caminhão que lhe está na mão oposta, na curva.

O Brasil está desgovernado, porque os dois maiores beneficiados por esse golpe travestido de "processo jurídico-democrático", o vice-presidente Michel Temer e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, possuem contra si acusações bem mais consistentes e precisas do que os rumores que aterrorizaram a presidenta.

Além disso, Temer e Cunha poderão implantar medidas de caráter econômico e social retrógradas, sobretudo Cunha, que presidirá a República quando Temer estiver viajando e, por isso, aproveitará esse poder para impor medidas que, simplesmente, desfazem as conquistas sociais obtidas com tanta dificuldade e luta no decorrer dos tempos.

Para os brasileiros explicitamente conservadores - como os reacionários que comemoraram a vitória de sua causa nas votações do último 17 de abril - e para outros sutilmente conservadores, "progressistas" que, entre outras coisas, acolhem um retrógrado Chico Xavier que defendia a ditadura e pregava a Teologia do Sofrimento, o Brasil parece poder resolver a crise conforme suas respectivas convicções pessoais.

Mas não. A verdade é que o Brasil ainda vai aprofundar a crise de 2013, e, perto de 2019, isso já derruba a "profecia" de Chico Xavier, de maneira definitiva. O Brasil, desgovernado e entregue a políticos corruptos (até Renan Calheiros é acusado pelo crime de corrupção), não resolverá a crise econômica de forma esperada e eficaz e ainda vai agravá-las, como agravará outros tipos de crise.

A ideia agora é esperar que contradições e dilemas novos venham, porque a sociedade mais reacionária lutou para ter Dilma Rousseff fora do poder e se empenhará para que o impedimento seja definitivo daqui a alguns meses, depois das atuações do Senado e do Supremo Tribunal Federal.

A prosperidade não veio com a vitória do impeachment na votação da Câmara dos Deputados. Pelo contrário, veio uma "solução" que era dominante mas nem por isso coerente, que só foi conveniente para uma parcela da sociedade que sente rancor pelo PT.

Mas novos problemas, novos dilemas e novos impasses virão, porque o confuso país que é o Brasil continua apegado a convicções pessoais e zonas de conforto, tentando proteger de privilégios econômicos de uns poucos à reputação de ídolos religiosos consagrados. Portanto, mais problemas virão, e é bom estarmos preparados.

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